Nova plataforma digital muda procedimento para solicitação de refúgio no Brasil
Governo brasileiro lança "Sisconare", que agiliza o processo e facilita a comunicação com o solicitante, mas novos obstáculos causam preocupação.
O PARES disponibilizou computadores em sua sede para que solicitantes possam fazer o pedido de refúgio.
Rio de Janeiro, 17 de outubro de 2019 - O Brasil ganhou um sistema on-line para o processo de solicitação de refúgio. Desde o dia 15 de setembro, qualquer pessoa que deseje pedir o reconhecimento da condição de refugiado no país - com exceção da cidade de Pacaraima (RR) - deve fazê-lo por uma plataforma digital batizada como Sisconare.
A novidade foi implementada pelo Comitê Nacional para Refugiados (Conare), órgão vinculado ao Ministério da Justiça, com o objetivo de facilitar, agilizar, democratizar e deixar mais transparentes tanto os pedidos quanto as análises dos pedidos. Segundo o governo, em apenas um mês de funcionamento, 12 mil usuários já se cadastraram.
O sistema digital substitui o formulário de papel de cerca de 15 páginas que os solicitantes completavam à mão, mas os campos para preenchimento de informações continuam praticamente os mesmos, incluindo dados pessoais e o histórico que justifica a condição de refugiado. Na sede do Programa de Atendimento a Refugiados e Solicitantes de Refúgio (PARES) da Cáritas do Rio de Janeiro, dois computadores foram disponibilizados exclusivamente para acessar o Sisconare, com o auxílio de advogadas e assistentes.
Após o preenchimento dos dados, é emitida uma notificação, que o solicitante deve levar à Polícia Federal, junto a outros documentos, a fim de dar entrada formalmente no processo. A etapa presencial, portanto, continua sendo obrigatória, porque a autoridade migratória brasileira precisa realizar a identificação do requerente, com a tomada de fotos e impressões digitais. A partir de então, a pessoa se torna oficialmente uma solicitante de refúgio.
O novo sistema traz avanços para o processo de solicitação de refúgio no Brasil, mas também cria novos desafios. Entre as mudanças positivas, está a possibilidade de o próprio usuário acompanhar o andamento do seu processo de forma autônoma. Além disso, toda a comunicação da administração pública com a pessoa solicitante passa a ser por meio do sistema. É através da ferramenta, por exemplo, que ela vai saber da convocação para a fase de entrevistas e se o seu pedido foi aceito ou rejeitado.
"Elas passam a ter todas as decisões em um único sistema, o que facilita a gestão das informações", avalia a agente de proteção do PARES, Maria Baqueriza. A também agente de proteção do programa Larissa Getirana destaca ainda a melhoria na questão da autonomia e da democratização. "Com o Sisconare, o solicitante tem acesso direto e mais controle do próprio processo, ainda podendo acessá-lo de qualquer lugar", completa.
O portal também corrige problemas do procedimento antigo. A falta de compreensão da grafia manuscrita dos solicitantes nos formulários de papel resultava em erros em documentos emitidos e nos endereços de e-mail para notificação, e em desentendimentos sobre o relato do histórico. Por meio de filtros, a plataforma também permite a otimização do processamento de dados. E, ao unificar o sistema, retira a necessidade de algumas trocas de documentos e informações entre órgãos do governo, como o próprio Conare, e as delegacias da Polícia Federal de cada estado.
Desafios da vulnerabilidade
Na prática, contudo, a situação de vulnerabilidade dos solicitantes de refúgio cria alguns obstáculos para a utilização do Sisconare. Um deles é o idioma. Por enquanto, a ferramenta está disponível apenas em português, o que gera um empecilho para os falantes de outras línguas, que necessitam de um intérprete ou do apoio de entidades da sociedade civil. Além disso, muitos dos que chegam no Brasil têm dificuldade no uso de computadores, não possuem ou perderam a senha de e-mail (obrigatório para o cadastro), ou simplesmente não têm acesso frequente à internet.
"A interface do sistema, de fato, é a mais simples possível, do ponto de vista de quem foi alfabetizado na área digital. Mas estamos lidando com um grupo que inclui pessoas vulneráveis economicamente, socialmente e digitalmente. Aquilo que poderia dar autonomia, acaba alimentando uma dependência. É preciso observar a especificidade da população atendida", analisa a agente de proteção do PARES Larissa Getirana.
O Conare promete resolver a questão da linguagem em breve. "A meta é que o Sisconare tenha versões também em inglês, espanhol e francês até o fim do ano", explica Gabriella Vieira Oliveira Gonçalves, coordenadora de Políticas de Refúgio do órgão. Sobre as dificuldades de acesso, ela alega que a falta de inserção digital afeta um grupo reduzido de solicitantes de refúgio. E, segundo ela, o sistema anterior já não era adequado à realidade da público assistido, que precisava de ajuda de qualquer forma, mesmo para o preenchimento do formulário de papel, por exemplo.
O Conare também garante a criação, em até dois anos, de uma funcionalidade específica, dentro da plataforma, para que procuradores legais e organizações da sociedade civil de auxílio ao solicitante de refúgio possam ver e analisar todos os processos – como acontece hoje, através de outro sistema.
"É um sistema muito bom, um verdadeiro avanço para a administração pública, a fim de melhorar o processamento das solicitações de reconhecimento da condição de refugiado, tornando o processo mais eficiente, mais rápido e mais transparente", avalia a coordenadora de Políticas de Refúgio do Conare.
"A ideia é boa, a interface é fácil de entender. Pensaram em como facilitar a vida do solicitante, mas, no momento, estamos vivendo um período de adaptação", conclui Larissa Geritana.
Texto: Caroline Durand
Foto: Diogo Felix
A novidade foi implementada pelo Comitê Nacional para Refugiados (Conare), órgão vinculado ao Ministério da Justiça, com o objetivo de facilitar, agilizar, democratizar e deixar mais transparentes tanto os pedidos quanto as análises dos pedidos. Segundo o governo, em apenas um mês de funcionamento, 12 mil usuários já se cadastraram.
O sistema digital substitui o formulário de papel de cerca de 15 páginas que os solicitantes completavam à mão, mas os campos para preenchimento de informações continuam praticamente os mesmos, incluindo dados pessoais e o histórico que justifica a condição de refugiado. Na sede do Programa de Atendimento a Refugiados e Solicitantes de Refúgio (PARES) da Cáritas do Rio de Janeiro, dois computadores foram disponibilizados exclusivamente para acessar o Sisconare, com o auxílio de advogadas e assistentes.
Após o preenchimento dos dados, é emitida uma notificação, que o solicitante deve levar à Polícia Federal, junto a outros documentos, a fim de dar entrada formalmente no processo. A etapa presencial, portanto, continua sendo obrigatória, porque a autoridade migratória brasileira precisa realizar a identificação do requerente, com a tomada de fotos e impressões digitais. A partir de então, a pessoa se torna oficialmente uma solicitante de refúgio.
O novo sistema traz avanços para o processo de solicitação de refúgio no Brasil, mas também cria novos desafios. Entre as mudanças positivas, está a possibilidade de o próprio usuário acompanhar o andamento do seu processo de forma autônoma. Além disso, toda a comunicação da administração pública com a pessoa solicitante passa a ser por meio do sistema. É através da ferramenta, por exemplo, que ela vai saber da convocação para a fase de entrevistas e se o seu pedido foi aceito ou rejeitado.
"Elas passam a ter todas as decisões em um único sistema, o que facilita a gestão das informações", avalia a agente de proteção do PARES, Maria Baqueriza. A também agente de proteção do programa Larissa Getirana destaca ainda a melhoria na questão da autonomia e da democratização. "Com o Sisconare, o solicitante tem acesso direto e mais controle do próprio processo, ainda podendo acessá-lo de qualquer lugar", completa.
O portal também corrige problemas do procedimento antigo. A falta de compreensão da grafia manuscrita dos solicitantes nos formulários de papel resultava em erros em documentos emitidos e nos endereços de e-mail para notificação, e em desentendimentos sobre o relato do histórico. Por meio de filtros, a plataforma também permite a otimização do processamento de dados. E, ao unificar o sistema, retira a necessidade de algumas trocas de documentos e informações entre órgãos do governo, como o próprio Conare, e as delegacias da Polícia Federal de cada estado.
Desafios da vulnerabilidade
Na prática, contudo, a situação de vulnerabilidade dos solicitantes de refúgio cria alguns obstáculos para a utilização do Sisconare. Um deles é o idioma. Por enquanto, a ferramenta está disponível apenas em português, o que gera um empecilho para os falantes de outras línguas, que necessitam de um intérprete ou do apoio de entidades da sociedade civil. Além disso, muitos dos que chegam no Brasil têm dificuldade no uso de computadores, não possuem ou perderam a senha de e-mail (obrigatório para o cadastro), ou simplesmente não têm acesso frequente à internet.
"A interface do sistema, de fato, é a mais simples possível, do ponto de vista de quem foi alfabetizado na área digital. Mas estamos lidando com um grupo que inclui pessoas vulneráveis economicamente, socialmente e digitalmente. Aquilo que poderia dar autonomia, acaba alimentando uma dependência. É preciso observar a especificidade da população atendida", analisa a agente de proteção do PARES Larissa Getirana.
O Conare promete resolver a questão da linguagem em breve. "A meta é que o Sisconare tenha versões também em inglês, espanhol e francês até o fim do ano", explica Gabriella Vieira Oliveira Gonçalves, coordenadora de Políticas de Refúgio do órgão. Sobre as dificuldades de acesso, ela alega que a falta de inserção digital afeta um grupo reduzido de solicitantes de refúgio. E, segundo ela, o sistema anterior já não era adequado à realidade da público assistido, que precisava de ajuda de qualquer forma, mesmo para o preenchimento do formulário de papel, por exemplo.
O Conare também garante a criação, em até dois anos, de uma funcionalidade específica, dentro da plataforma, para que procuradores legais e organizações da sociedade civil de auxílio ao solicitante de refúgio possam ver e analisar todos os processos – como acontece hoje, através de outro sistema.
"É um sistema muito bom, um verdadeiro avanço para a administração pública, a fim de melhorar o processamento das solicitações de reconhecimento da condição de refugiado, tornando o processo mais eficiente, mais rápido e mais transparente", avalia a coordenadora de Políticas de Refúgio do Conare.
"A ideia é boa, a interface é fácil de entender. Pensaram em como facilitar a vida do solicitante, mas, no momento, estamos vivendo um período de adaptação", conclui Larissa Geritana.
Texto: Caroline Durand
Foto: Diogo Felix