Dupla de refugiados cria negócio de marcenaria no Rio de Janeiro
Profissionais com anos de experiência em seus países de origem se conheceram na sede do PARES Cáritas RJ e decidiram unir seus talentos na marcenaria.
Norma e Reinier com dois cavaletes para quadros que fizeram sob encomenda.
Rio de Janeiro, 29 de outubro de 2019 - Por trás de todo belo trabalho, existe uma equipe talentosa e empenhada. Mas quando os profissionais realmente amam o seu ofício, os resultados desse trabalho se tornam ainda mais especiais. Esse é o caso da parceria entre Deinier (31) e Norma Carillo (49), cubano e venezuelana em situação de refúgio no Brasil que decidiram somar habilidades na área da marcenaria. Sócios desde o início de 2019, eles construíram uma parceria de sucesso e competência que teve seu pontapé inicial na sede do Programa de Atendimento a Refugiados e Solicitantes de Refúgio (PARES) da Cáritas do Rio de Janeiro.
Quando se conheceram, em março de 2018, Norma e Deinier frequentavam o curso de português oferecido pela Cáritas. Embora tenham interagido durante as aulas, foi somente pelo intermédio de outra estudante, também refugiada da Venezuela, que ambos tiveram conhecimento de sua paixão comum. Carolina Cuárez, hoje professora de espanhol no Rio de Janeiro, apresentou os trabalhos do cubano para Norma, que se interessou por uma possível parceria de trabalho.
No entanto, restava uma questão logística: a falta de espaço para montar uma oficina adequada impossibilitava a produção. Foi então que, mais uma vez, Carolina atuou a favor do empreendimento dos dois. Após alguns meses, Norma entrou em contato com Deinier com uma proposta. “Eu disse: ‘Se eu tenho um projeto, a gente tem que materializar e ver. Eu não tenho espaço no meu apartamento para tocar o projeto. Mas a Carolina disponibilizou seu quintal, em Marechal Hermes, para nossa iniciativa’”.
E assim, com as ferramentas que já possuíam, deram início à sua sociedade. Nesse sentido, Deinier conta que, primeiramente, o apoio do PARES foi essencial para desenvolver seu ofício no Brasil. “Eu não sabia o nível do que fazia a Cáritas. Eu achava que era só curso de português e alguns encaminhamentos. Mas alguém um dia me disse que eu poderia falar com a assistente social e pedir para fazer um encaminhamento para me ajudar. Então, eu fui numa loja de ferramentas, pedi o orçamento do material que precisava e entreguei na Cáritas. Revelei que não tinha esse material para fazer meu empreendimento. Então, a assistente social disse que iriam ligar, em alguns dias, com uma resposta positiva ou não. E 15 dias depois, ela me ligou. ‘Olha, Deinier, você vai receber uma ajuda!’. Então eu fui lá e me deram um cheque de 300 reais. Eu pedi 220 e pouco e me deram 300 com o valor necessário.”
Durante três meses, Deinier recebeu auxílio para investir em seu empreendimento. “Fui pegando o dinheiro a cada vez, e indo direto às lojas de ferramentas. Ao primeiro mês, comprei, chave de fenda, chave de estrela, um monte de ferramenta, alicate de bico... Com isso, já consegui trabalhar e guardar mais dinheiro. No mês seguinte, consegui comprar kit de broca e, enfim, uma furadeira e uma lixadeira. E foi com esse dinheiro que conseguimos comprar as ferramentas que hoje trabalhamos” – diz.
Na oficina em Marechal Hermes, eles produzem diferentes projetos e aceitam encomendas de qualquer produto, desde que seja possível realizá-lo. A especialidade, devido ao maior volume de pedidos, são mobiliários de cozinha, banheiro, guarda-roupas e brinquedos para crianças.
O trabalho da dupla é cooperativo: de início, a venezuelana desenha os projetos em papel e, logo após, já partem para a construção e acabamento do produto. “Enquanto eu estou cortando a madeira, ela está lixando; enquanto eu estou furando, ela constrói outra coisa...”. Deinier conta que já chegaram a trabalhar 29 horas seguidas durante a produção de uma encomenda de barracas de feira.
Defendendo-se da competitividade do setor, eles salientam que a diferença entre seus produtos e tantos outros produzidos em série nas fábricas de móveis encontra-se na qualidade diferenciada. “Nós posicionamos nossos produtos em um lugar que seja um balanço entre qualidade, custo e diferenciação. Gosto que a garantia do meu trabalho seja trabalhar bem certinho” - assegura Deinier.
Anos de experiência
Antes de chegarem ao Brasil, ambos já acumulavam anos de profissão com a marcenaria e com o desenho industrial. Formada em Engenharia de Produção na Universidade Santiago Mariño, na Venezuela, e técnica superior em Mecânica, Norma possui mais de 20 anos de experiência em construção e marcenaria. Na cidade onde vivia, a 80 km da capital Caracas, possuía seu próprio empreendimento em parceria com um dos três irmãos: um negócio de fabricação de brinquedos. Com o avanço da crise econômica no país, a iniciativa entrou em declínio e teve que fechar as portas. Quando a inflação e a crise de abastecimento no país se agravaram, decidiu que era preciso deixar seu país para uma nova vida no Rio de Janeiro. Hoje, Norma também atua como tradutora e professora particular de Língua Espanhola.
Deinier, que trabalha há 12 anos como marceneiro, também talhava móveis e realizava restaurações e reparos em madeira e MDF no seu país de origem. Desde que chegou ao Brasil, realizou dois cursos de informática oferecidos pela CISCO (Segurança Cibernética e Internet de Todos), sob alto índice de aproveitamento. Pai de um menino de oito anos, precisou sair de Cuba no início de 2018, quando as perseguições e ameaças a sua vida e ao seu trabalho se intensificaram. Há mais de sete meses não mantém contato com o filho, devido à dificuldade de estabelecer comunicação via Internet no país caribenho. Desde que chegou ao Brasil, tinha o desejo de montar uma oficina e voltar a trabalhar em sua área.
Os desafios no Brasil
“Quando você chega ao Brasil, você tem que entender que terá que vencer muitos desafios”.
Para eles, o maior desafio que enfrentaram no país foi a procura de empregos. Agora, com seu projeto da marcenaria em atividade, eles informam que necessitam, acima de tudo, da confiança do mercado. “Capacitação, preparação e atitude a gente tem. Precisamos de clientes, de pessoas que acreditem em nós, para que possamos ir aprimorando a oficina mais e mais. Ainda precisamos de algumas ferramentas maiores, para quando a gente tiver um trabalho grande. Mas, por agora, precisamos de visibilidade”.
Além desse obstáculo, a dupla vê que as disputas comerciais do setor também podem afetar o desempenho de seu negócio. “A gente está abordando um nicho em que a gente possa oferecer um produto diferenciado. Não podemos competir com essas grandes fábricas de móveis baratos em série. Um importador da China, por exemplo, compra muito barato, mesmo que a qualidade não seja a mesma. A gente não tem essa capacidade pra produzir massivamente dessa forma”.
No entanto, apesar das dificuldades enfrentadas, ambos veem o Brasil com muita gratidão e esperança. “Eu gosto muito do Brasil e de sua gente. Não há pontos negativos que me façam pensar em sair daqui”, diz Norma. “O Brasil é muito diferente de Cuba. Mas quando eu cheguei, senti como se eu tivesse morado aqui a vida toda. Eu gosto muito no Brasil que as pessoas gostam de ajudar. Se você precisa de uma ajuda, vêm várias pessoas para te ajudar. Eu não quero nunca ir embora daqui” – relata Deinier.
Texto: Caroline Durand
Foto: Diogo Felix
Quando se conheceram, em março de 2018, Norma e Deinier frequentavam o curso de português oferecido pela Cáritas. Embora tenham interagido durante as aulas, foi somente pelo intermédio de outra estudante, também refugiada da Venezuela, que ambos tiveram conhecimento de sua paixão comum. Carolina Cuárez, hoje professora de espanhol no Rio de Janeiro, apresentou os trabalhos do cubano para Norma, que se interessou por uma possível parceria de trabalho.
No entanto, restava uma questão logística: a falta de espaço para montar uma oficina adequada impossibilitava a produção. Foi então que, mais uma vez, Carolina atuou a favor do empreendimento dos dois. Após alguns meses, Norma entrou em contato com Deinier com uma proposta. “Eu disse: ‘Se eu tenho um projeto, a gente tem que materializar e ver. Eu não tenho espaço no meu apartamento para tocar o projeto. Mas a Carolina disponibilizou seu quintal, em Marechal Hermes, para nossa iniciativa’”.
E assim, com as ferramentas que já possuíam, deram início à sua sociedade. Nesse sentido, Deinier conta que, primeiramente, o apoio do PARES foi essencial para desenvolver seu ofício no Brasil. “Eu não sabia o nível do que fazia a Cáritas. Eu achava que era só curso de português e alguns encaminhamentos. Mas alguém um dia me disse que eu poderia falar com a assistente social e pedir para fazer um encaminhamento para me ajudar. Então, eu fui numa loja de ferramentas, pedi o orçamento do material que precisava e entreguei na Cáritas. Revelei que não tinha esse material para fazer meu empreendimento. Então, a assistente social disse que iriam ligar, em alguns dias, com uma resposta positiva ou não. E 15 dias depois, ela me ligou. ‘Olha, Deinier, você vai receber uma ajuda!’. Então eu fui lá e me deram um cheque de 300 reais. Eu pedi 220 e pouco e me deram 300 com o valor necessário.”
Durante três meses, Deinier recebeu auxílio para investir em seu empreendimento. “Fui pegando o dinheiro a cada vez, e indo direto às lojas de ferramentas. Ao primeiro mês, comprei, chave de fenda, chave de estrela, um monte de ferramenta, alicate de bico... Com isso, já consegui trabalhar e guardar mais dinheiro. No mês seguinte, consegui comprar kit de broca e, enfim, uma furadeira e uma lixadeira. E foi com esse dinheiro que conseguimos comprar as ferramentas que hoje trabalhamos” – diz.
Na oficina em Marechal Hermes, eles produzem diferentes projetos e aceitam encomendas de qualquer produto, desde que seja possível realizá-lo. A especialidade, devido ao maior volume de pedidos, são mobiliários de cozinha, banheiro, guarda-roupas e brinquedos para crianças.
O trabalho da dupla é cooperativo: de início, a venezuelana desenha os projetos em papel e, logo após, já partem para a construção e acabamento do produto. “Enquanto eu estou cortando a madeira, ela está lixando; enquanto eu estou furando, ela constrói outra coisa...”. Deinier conta que já chegaram a trabalhar 29 horas seguidas durante a produção de uma encomenda de barracas de feira.
Defendendo-se da competitividade do setor, eles salientam que a diferença entre seus produtos e tantos outros produzidos em série nas fábricas de móveis encontra-se na qualidade diferenciada. “Nós posicionamos nossos produtos em um lugar que seja um balanço entre qualidade, custo e diferenciação. Gosto que a garantia do meu trabalho seja trabalhar bem certinho” - assegura Deinier.
Anos de experiência
Antes de chegarem ao Brasil, ambos já acumulavam anos de profissão com a marcenaria e com o desenho industrial. Formada em Engenharia de Produção na Universidade Santiago Mariño, na Venezuela, e técnica superior em Mecânica, Norma possui mais de 20 anos de experiência em construção e marcenaria. Na cidade onde vivia, a 80 km da capital Caracas, possuía seu próprio empreendimento em parceria com um dos três irmãos: um negócio de fabricação de brinquedos. Com o avanço da crise econômica no país, a iniciativa entrou em declínio e teve que fechar as portas. Quando a inflação e a crise de abastecimento no país se agravaram, decidiu que era preciso deixar seu país para uma nova vida no Rio de Janeiro. Hoje, Norma também atua como tradutora e professora particular de Língua Espanhola.
Deinier, que trabalha há 12 anos como marceneiro, também talhava móveis e realizava restaurações e reparos em madeira e MDF no seu país de origem. Desde que chegou ao Brasil, realizou dois cursos de informática oferecidos pela CISCO (Segurança Cibernética e Internet de Todos), sob alto índice de aproveitamento. Pai de um menino de oito anos, precisou sair de Cuba no início de 2018, quando as perseguições e ameaças a sua vida e ao seu trabalho se intensificaram. Há mais de sete meses não mantém contato com o filho, devido à dificuldade de estabelecer comunicação via Internet no país caribenho. Desde que chegou ao Brasil, tinha o desejo de montar uma oficina e voltar a trabalhar em sua área.
Os desafios no Brasil
“Quando você chega ao Brasil, você tem que entender que terá que vencer muitos desafios”.
Para eles, o maior desafio que enfrentaram no país foi a procura de empregos. Agora, com seu projeto da marcenaria em atividade, eles informam que necessitam, acima de tudo, da confiança do mercado. “Capacitação, preparação e atitude a gente tem. Precisamos de clientes, de pessoas que acreditem em nós, para que possamos ir aprimorando a oficina mais e mais. Ainda precisamos de algumas ferramentas maiores, para quando a gente tiver um trabalho grande. Mas, por agora, precisamos de visibilidade”.
Além desse obstáculo, a dupla vê que as disputas comerciais do setor também podem afetar o desempenho de seu negócio. “A gente está abordando um nicho em que a gente possa oferecer um produto diferenciado. Não podemos competir com essas grandes fábricas de móveis baratos em série. Um importador da China, por exemplo, compra muito barato, mesmo que a qualidade não seja a mesma. A gente não tem essa capacidade pra produzir massivamente dessa forma”.
No entanto, apesar das dificuldades enfrentadas, ambos veem o Brasil com muita gratidão e esperança. “Eu gosto muito do Brasil e de sua gente. Não há pontos negativos que me façam pensar em sair daqui”, diz Norma. “O Brasil é muito diferente de Cuba. Mas quando eu cheguei, senti como se eu tivesse morado aqui a vida toda. Eu gosto muito no Brasil que as pessoas gostam de ajudar. Se você precisa de uma ajuda, vêm várias pessoas para te ajudar. Eu não quero nunca ir embora daqui” – relata Deinier.
Texto: Caroline Durand
Foto: Diogo Felix