Mais de 80% dos refugiados são abrigados por outros refugiados no RJ, indica pesquisa
Pesquisa aponta que apenas 3% das pessoas em situação de refúgio foram acolhidas por abrigos públicos da cidade entre 1984 e 2017.
Rio de Janeiro, 23 de janeiro de 2020 - No desespero para ir embora, muitos refugiados e solicitantes de refúgio saem de seus países sem ideia de onde vão morar ou sem recursos para conseguir uma residência digna. Por isso, o acolhimento na chegada é crucial para a garantia dos direitos básicos e para a integração social desses indivíduos e dessas famílias.
Historicamente, porém, o poder público - e mesmo as organizações da sociedade civil - tem exercido um papel muito tímido no que diz respeito ao abrigamento dessa população no Rio de Janeiro. Na verdade, mais de 80% dos homens e das mulheres que chegam à região metropolitana da cidade em busca de refúgio começam a reconstruir suas vidas abrigadas por pessoas da mesma condição. É o que indica uma pesquisa que mapeou a primeira moradia dos solicitantes de refúgio no Rio, com base nos arquivos do Programa de Atendimento a Refugiados e Solicitantes de Refúgio (PARES) da Cáritas RJ.
Dos mais de 4,3 mil formulários analisados, referentes ao período de 1984 a 2017, 35% continham informação sobre algum tipo de acolhimento. Desses, 82% das pessoas responderam ter sido acolhidas por outros refugiados e solicitantes de refúgio (conterrâneos ou não), 7% foram recebidos por brasileiros e 8% por alguma instituição religiosa. Apenas 3% declararam ter sido acolhidos por abrigos públicos oficiais.
A responsável pelo estudo "Refugiados urbanos – Estudo sobre a distribuição territorial de refugiados no Rio de Janeiro e seu impacto no processo de integração local", do mestrado em Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Natalia da Cunha Cidade, vê fragilidade nas políticas de atenção a refugiados e solicitantes de refúgio no que diz respeito ao abrigamento, mas ressalta que habitação é um problema amplo na cidade.
"Há uma questão crítica de desigualdade social, déficit habitacional e defeitos nas ações governamentais de moradia para toda a população. E os refugiados se inserem diretamente em todas essas fragilidades", analisa.
A coordenadora de Integração do PARES Cáritas RJ, Debora Alves, corrobora essa análise. Segundo ela, o acolhimento temporário é fundamental para assegurar condições básicas de sobrevivência, tendo em vista que muitos dos solicitantes de refúgio chegam em situação muito vulnerável, sem recursos. Quem não tem para onde ir, é encaminhado para abrigos públicos, da assistência social municipal, o mesmo espaço de pessoas com outras demandas e necessidades, como moradores de rua e viciados em álcool e drogas.
"O que sempre questionamos o poder público é o preparo da equipe técnica dos abrigos no recebimento dos refugiados, pelo desconhecimento do tema de refúgio e migração, pela dificuldade de falar outros idiomas e pelo diferente trabalho de integração. Há relatos de solicitantes de refúgio que preferem ficar nas ruas. Existe um movimento, não só da Cáritas RJ, para propor às autoridades a possibilidade de acolhimento institucional específico para migrantes e refugiados, mas nada, até o momento, se concretizou”, explica Debora.
Mapeamento
A pesquisa também mapeou os locais ocupados pelos refugiados e solicitantes de refúgio nessa primeira acolhida. Dos 21 municípios da região metropolitana do Rio de Janeiro, 16 tiveram registros. As comunidades se espalharam de maneira distinta de acordo com a nacionalidade. As regiões centro e sul concentravam, na maior parte, pessoas de origem síria, colombiana e venezuelana. Quem vinha do continente africano, em geral, ia morar na zona norte da capital ou em outros municípios da região metropolitana, como a Baixada Fluminense.
"Em termos gerais, temos indicadores fortes de um estabelecimento da população refugiada na região periférica da cidade, ou em favelas, e as populações que vivem nos locais mais vulneráveis são as que vêm dos países africanos. Temos uma relação histórica no país de desigualdade social e racial, e isso se expressa na dinâmica urbana, na possibilidade de acesso a serviços, garantia dos direitos básicos, discriminação no mercado de trabalho... Para além da condição de refugiado, há a condição racial”, conclui Natalia.
A então mestranda passou sete meses – o dobro do previsto – na pesquisa de campo colhendo os dados nos registros do PARES Cáritas RJ. No levantamento, analisou todos os formulários de solicitação arquivados, com ajuda de dois assistentes. Na época, havia dois objetivos. O teórico era desenvolver metodologias para fazer uma ponte entre arquitetura e refúgio. Já o prático era revelar dados que contribuíssem à discussão e pudessem dar mais qualidade de vida para as pessoas refugiadas. "Dar uma resposta à invisibilidade social através da visibilidade espacial", conta a arquiteta.
"Essa pesquisa é importante para mostrar, com mais dados, o que nós vimos discutindo com o poder público há muitos anos: a necessidade de ter uma resposta estruturada para essa demanda. Nós chamamos essa organização que as pessoas refugiadas têm entre si de uma 'resposta caseira'. Não é possível contar com o apoio só da própria comunidade, porque essa solução é muito frágil", opina a coordenadora de Integração.
Natalia vê ainda metas futuras e ambiciosas. "A ideia é também conseguir estabelecer uma conexão dos resultados com demais organizações e agentes governamentais, a fim de ver como aproveitar esses dados e essas estatísticas para a atenção à população refugiada no território do Rio de Janeiro, de forma mais estratégica e eficaz", espera a pesquisadora.
Texto: Caroline Durand
Historicamente, porém, o poder público - e mesmo as organizações da sociedade civil - tem exercido um papel muito tímido no que diz respeito ao abrigamento dessa população no Rio de Janeiro. Na verdade, mais de 80% dos homens e das mulheres que chegam à região metropolitana da cidade em busca de refúgio começam a reconstruir suas vidas abrigadas por pessoas da mesma condição. É o que indica uma pesquisa que mapeou a primeira moradia dos solicitantes de refúgio no Rio, com base nos arquivos do Programa de Atendimento a Refugiados e Solicitantes de Refúgio (PARES) da Cáritas RJ.
Dos mais de 4,3 mil formulários analisados, referentes ao período de 1984 a 2017, 35% continham informação sobre algum tipo de acolhimento. Desses, 82% das pessoas responderam ter sido acolhidas por outros refugiados e solicitantes de refúgio (conterrâneos ou não), 7% foram recebidos por brasileiros e 8% por alguma instituição religiosa. Apenas 3% declararam ter sido acolhidos por abrigos públicos oficiais.
A responsável pelo estudo "Refugiados urbanos – Estudo sobre a distribuição territorial de refugiados no Rio de Janeiro e seu impacto no processo de integração local", do mestrado em Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Natalia da Cunha Cidade, vê fragilidade nas políticas de atenção a refugiados e solicitantes de refúgio no que diz respeito ao abrigamento, mas ressalta que habitação é um problema amplo na cidade.
"Há uma questão crítica de desigualdade social, déficit habitacional e defeitos nas ações governamentais de moradia para toda a população. E os refugiados se inserem diretamente em todas essas fragilidades", analisa.
A coordenadora de Integração do PARES Cáritas RJ, Debora Alves, corrobora essa análise. Segundo ela, o acolhimento temporário é fundamental para assegurar condições básicas de sobrevivência, tendo em vista que muitos dos solicitantes de refúgio chegam em situação muito vulnerável, sem recursos. Quem não tem para onde ir, é encaminhado para abrigos públicos, da assistência social municipal, o mesmo espaço de pessoas com outras demandas e necessidades, como moradores de rua e viciados em álcool e drogas.
"O que sempre questionamos o poder público é o preparo da equipe técnica dos abrigos no recebimento dos refugiados, pelo desconhecimento do tema de refúgio e migração, pela dificuldade de falar outros idiomas e pelo diferente trabalho de integração. Há relatos de solicitantes de refúgio que preferem ficar nas ruas. Existe um movimento, não só da Cáritas RJ, para propor às autoridades a possibilidade de acolhimento institucional específico para migrantes e refugiados, mas nada, até o momento, se concretizou”, explica Debora.
Mapeamento
A pesquisa também mapeou os locais ocupados pelos refugiados e solicitantes de refúgio nessa primeira acolhida. Dos 21 municípios da região metropolitana do Rio de Janeiro, 16 tiveram registros. As comunidades se espalharam de maneira distinta de acordo com a nacionalidade. As regiões centro e sul concentravam, na maior parte, pessoas de origem síria, colombiana e venezuelana. Quem vinha do continente africano, em geral, ia morar na zona norte da capital ou em outros municípios da região metropolitana, como a Baixada Fluminense.
"Em termos gerais, temos indicadores fortes de um estabelecimento da população refugiada na região periférica da cidade, ou em favelas, e as populações que vivem nos locais mais vulneráveis são as que vêm dos países africanos. Temos uma relação histórica no país de desigualdade social e racial, e isso se expressa na dinâmica urbana, na possibilidade de acesso a serviços, garantia dos direitos básicos, discriminação no mercado de trabalho... Para além da condição de refugiado, há a condição racial”, conclui Natalia.
A então mestranda passou sete meses – o dobro do previsto – na pesquisa de campo colhendo os dados nos registros do PARES Cáritas RJ. No levantamento, analisou todos os formulários de solicitação arquivados, com ajuda de dois assistentes. Na época, havia dois objetivos. O teórico era desenvolver metodologias para fazer uma ponte entre arquitetura e refúgio. Já o prático era revelar dados que contribuíssem à discussão e pudessem dar mais qualidade de vida para as pessoas refugiadas. "Dar uma resposta à invisibilidade social através da visibilidade espacial", conta a arquiteta.
"Essa pesquisa é importante para mostrar, com mais dados, o que nós vimos discutindo com o poder público há muitos anos: a necessidade de ter uma resposta estruturada para essa demanda. Nós chamamos essa organização que as pessoas refugiadas têm entre si de uma 'resposta caseira'. Não é possível contar com o apoio só da própria comunidade, porque essa solução é muito frágil", opina a coordenadora de Integração.
Natalia vê ainda metas futuras e ambiciosas. "A ideia é também conseguir estabelecer uma conexão dos resultados com demais organizações e agentes governamentais, a fim de ver como aproveitar esses dados e essas estatísticas para a atenção à população refugiada no território do Rio de Janeiro, de forma mais estratégica e eficaz", espera a pesquisadora.
Texto: Caroline Durand