Negócio social capacita refugiadas em curso intensivo de costura
Parceria entre a Cáritas RJ e o Mulheres do Sul Global oferece alternativa profissional com possibilidades de geração de renda imediata.
Rio de Janeiro, 19 de dezembro de 2019 - Em outubro de 2019, o Programa de Atendimento a Refugiados e Solicitantes de Refúgio (PARES) da Cáritas RJ estabeleceu uma nova frente para promover a capacitação profissional e a geração de renda do estrato feminino dessa população. Em parceria com o negócio social Mulheres do Sul Global (MSG), no âmbito do projeto Mediação para o Aprendizado de Refugiados e Solicitantes de Refúgio (MARES), a instituição está apoiando a qualificação de nove mulheres como costureiras profissionais. A iniciativa conta com o financiamento do Ministério Público do Trabalho do Rio de Janeiro (MPT-RJ) e do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR).
Ao longo de oito semanas, com uma carga horária de 188 horas, divididas em dois módulos, as mulheres em situação de refúgio aprendem como operar uma máquina industrial e diferentes técnicas de costura, de forma a ampliar suas possibilidades de geração de renda. A maior parte das participantes nunca havia tido contato com uma máquina de costura. Agora, estão encantadas com o ofício e pedem até aulas extras.
"Nosso termômetro é o fato de que elas pedem para vir todo dia", explica Emanuela Pinheiro, fundadora do Mulheres do Sul Global. "Temos encontros três vezes na semana e elas perguntam se podem vir aos sábados e aos domingos. Elas querem muito aprender, realmente se agarram a essa oportunidade".
A venezuelana Yussek Navas, 43 anos, vive no Rio de Janeiro há menos de dois meses e, confirmando as palavras da tutora, não disfarça sua animação com a costura. Para ela, tanto o curso quanto as pessoas envolvidas têm sido muito especiais.
"Não é fácil, mas eu já consigo fazer algumas coisas. É bom poder ter uma profissão e também ser capaz de costurar minhas próprias roupas. Estou apaixonada pela costura e dou sempre o meu melhor, pois temos que saber aproveitar as oportunidades. Isso me dá muita alegria, vontade de trabalhar, aprender e me relacionar com novas pessoas."
Yussek, que era dona de uma gráfica antes de vir para o Brasil, preserva sua alma empreendedora e já tem planos de montar o próprio negócio, costurando e vendendo biquínis, roupas de banho e cangas.
Yussek: empreendedora na Venezuela e, quem sabe, no Brasil.
Foco em qualidade
O curso é conduzido por três professores brasileiros, profissionais com 40 anos de experiência em costura. Emanuela pontua que fazer essa integração também é muito importante, porque já cria uma conexão cultural maior e traz para o processo brasileiros que também estão na base da pirâmide. "Eu chamo isso de círculo virtuoso. Todos se unem e quem tem mais conhecimento capacita quem está começando. Assim vamos nos ajudando para nossa história ir para frente."
Cláudia Lima é uma das professoras do curso e se diz muito satisfeita com o trabalho e o desenvolvimento das alunas. Ela acompanha todas de perto e explica que há diversas funções dentro do ramo da costura e que cada aprendiz pode se especializar em uma área. Certo é que todas sairão dessa experiência com algum aprendizado.
"Eu sou chata, sou rígida, mas acho que elas gostam", conta a professora em meio a uma risada. "Quero deixá-las preparadas para o dia-a-dia em uma fábrica, quero que, se forem fazer um teste, passem. Tenho certeza de que elas sairão daqui boas profissionais."
Doris, venezuelana que já ganha a vida no Rio com artesanato, expressa sua ansiedade em poder integrar uma nova habilidade a seus trabalhos. Concentrada nas lições passadas pela instrutora, ela para um pouco para ouvir a conversa e ri: "Eu me sinto um pouco pressionada com as pessoas olhando. Meu sonho agora é ter uma máquina em casa! Quero poder ficar treinando e costurando lá."
Para realizar esse projeto, Emanuela relata que analisou todos os currículos de cursos de costura das escolas profissionalizantes do Rio de Janeiro e tentou adaptar um programa que fosse capaz de, dentro da carga horária prevista, realmente prepará-las para uma primeira etapa da costura.
"Pensamos em um programa para capacitá-las como costureiras retistas, que é a primeira etapa da costura. Toda costureira precisa saber fazer uma costura reta. Partindo do básico, criamos o módulo 1 e o módulo 2. As mulheres que não tinham nenhuma experiência começaram pelo módulo 1 e tivemos duas participantes que se destacaram e já pularam para o módulo 2, que seria como um estágio para que elas possam praticar, já exercendo uma profissão e acessando uma renda através de diárias de trabalho."
Há seis meses morando no Rio, a venezuelana Yuli Contretas, 26 anos, diz que o curso apareceu como uma bênção exatamente no momento em que ela estava à procura de algo em que se especializar. Otimista em relação ao futuro, Yuli acredita que cada uma das alunas irá se aperfeiçoar e se profissionalizar em uma área do ramo da costura (passadeira, arrematadora, costureira, entre outros) e que todas conseguirão um trabalho rapidamente. Mãe de três filhas, quer poder coser roupas para elas e trabalhar por conta própria, fazendo bolsas e peças de vestuário. "Meu objetivo é ficar cada vez melhor, ir me superando."
O curso é conduzido por três professores brasileiros, profissionais com 40 anos de experiência em costura. Emanuela pontua que fazer essa integração também é muito importante, porque já cria uma conexão cultural maior e traz para o processo brasileiros que também estão na base da pirâmide. "Eu chamo isso de círculo virtuoso. Todos se unem e quem tem mais conhecimento capacita quem está começando. Assim vamos nos ajudando para nossa história ir para frente."
Cláudia Lima é uma das professoras do curso e se diz muito satisfeita com o trabalho e o desenvolvimento das alunas. Ela acompanha todas de perto e explica que há diversas funções dentro do ramo da costura e que cada aprendiz pode se especializar em uma área. Certo é que todas sairão dessa experiência com algum aprendizado.
"Eu sou chata, sou rígida, mas acho que elas gostam", conta a professora em meio a uma risada. "Quero deixá-las preparadas para o dia-a-dia em uma fábrica, quero que, se forem fazer um teste, passem. Tenho certeza de que elas sairão daqui boas profissionais."
Doris, venezuelana que já ganha a vida no Rio com artesanato, expressa sua ansiedade em poder integrar uma nova habilidade a seus trabalhos. Concentrada nas lições passadas pela instrutora, ela para um pouco para ouvir a conversa e ri: "Eu me sinto um pouco pressionada com as pessoas olhando. Meu sonho agora é ter uma máquina em casa! Quero poder ficar treinando e costurando lá."
Para realizar esse projeto, Emanuela relata que analisou todos os currículos de cursos de costura das escolas profissionalizantes do Rio de Janeiro e tentou adaptar um programa que fosse capaz de, dentro da carga horária prevista, realmente prepará-las para uma primeira etapa da costura.
"Pensamos em um programa para capacitá-las como costureiras retistas, que é a primeira etapa da costura. Toda costureira precisa saber fazer uma costura reta. Partindo do básico, criamos o módulo 1 e o módulo 2. As mulheres que não tinham nenhuma experiência começaram pelo módulo 1 e tivemos duas participantes que se destacaram e já pularam para o módulo 2, que seria como um estágio para que elas possam praticar, já exercendo uma profissão e acessando uma renda através de diárias de trabalho."
Há seis meses morando no Rio, a venezuelana Yuli Contretas, 26 anos, diz que o curso apareceu como uma bênção exatamente no momento em que ela estava à procura de algo em que se especializar. Otimista em relação ao futuro, Yuli acredita que cada uma das alunas irá se aperfeiçoar e se profissionalizar em uma área do ramo da costura (passadeira, arrematadora, costureira, entre outros) e que todas conseguirão um trabalho rapidamente. Mãe de três filhas, quer poder coser roupas para elas e trabalhar por conta própria, fazendo bolsas e peças de vestuário. "Meu objetivo é ficar cada vez melhor, ir me superando."
A venezuelana Yuli está otimista com as perspectivas da carreira como costureira.
Muito mais do que costura
Além do treinamento profissional, o projeto também atenta para o aspecto socioemocional das participantes, cujas especificidades como pessoas em situação de refúgio são levadas em conta. "Para mim, empoderamento econômico não é só prepararmos essa mulher para acessar renda, mas é também dar conta de toda uma dimensão emocional do que é a jornada da mulher refugiada", explica Emanuela.
"Como é que ela se sente quando está aqui treinando? São várias questões que aparecem. A maioria delas ainda mora em abrigo, tem questões de saúde, especialmente para as venezuelanas, pois o sistema de saúde do país delas faliu. Algumas não frequentam um médico há mais de cinco anos, então têm essa carência imediata, precisam fazer um checkup de saúde, porque têm questões sérias para serem assistidas. Tem uma questão de alimento também, muitas estão super magras, ficaram muito tempo sem acesso a açúcar, por exemplo. São coisas muito mínimas, que de fora as pessoas não percebem, mas que também fazem parte desse processo", diz a fundadora do Mulheres do Sul Global.
Em vista disso, a assistente social Marlene Barros foi contratada especialmente para acompanhar as alunas do curso. Semanalmente, são organizadas rodas de conversa nas quais elas podem falar de seus problemas pessoais, receios, expectativas e outros temas colocados para auxiliá-las em suas novas vidas. Dentre as questões abordadas estão direitos e deveres, cultura do Brasil, saúde, prevenção e segurança.
"Trabalhamos muito também a questão da amizade, da união entre elas, para que procurem ajudar umas às outras", comenta Marlene. "Colocamos muito afeto, ficamos abertas para qualquer coisa que elas precisem, como uma espécie de família, acolhendo.”
Outro ponto destacado pela assistente social é a autoestima das mulheres. Nesse sentido, ela conta que procura sempre incentivá-las para que acreditem em seu potencial. "Eu vejo que é uma grande dificuldade do ser humano ver coisas boas em si mesmo. Então nós sempre tentamos falar palavras boas e elogiar uma às outras, para trabalhar a autoconfiança delas."
Profissionalismo, sustentabilidade e... pressa
O Mulheres do Sul Global nasceu em 2017, já em uma parceria com o PARES Cáritas RJ, a partir da complexidade que Emanuela viu na jornada da mulher refugiada. "Não é uma coisa trivial. Se já é difícil para qualquer imigrante, imagine para uma mulher, com toda a questão do machismo, filhos para criar, entre outras coisas."
Na época, porém, as mulheres em situação de refúgio que integravam o ateliê já sabiam costurar. Agora, ela comanda a primeira turma de um novo projeto, que busca dar um passo atrás para, não apenas absorver as mulheres para dentro do negócio social, mas formá-las como costureiras.
Um dos avanços mais importantes na trajetória do MSG para viabilizar esse projeto foi a conquista de um espaço próprio, um ateliê - antes as colaboradoras trabalhavam em suas próprias casas. Emanuela considera o projeto promissor e enxerga algumas delas já integrando profissionalmente o ateliê do Mulheres do Sul Global.
"Estamos oferecendo uma capacitação e tendo muito cuidado e rigidez com a postura profissional e com o cronograma. A ideia é que elas estejam prontas para ficar conosco ou serem contratadas, e existem também aquelas com viés mais empreendedor. Além disso, obviamente a contratação delas ou não depende muito da performance de cada uma. Estamos avaliando todos esses pontos", esclareceu a fundadora.
O impacto do projeto não é apenas social. Adepto do conceito de economia circular, o MSG busca gerar também impacto ambiental. Emanuela revela que todo o material usado é proveniente de resíduos doados por outras empresas, a maioria do ramo da moda. Recentemente, porém, uma doação específica levou a ideia de economia circular a outro patamar. Emanuela recebeu do ACNUR lonas que foram usadas como tendas em abrigos venezuelanos no estado de Roraima e, posteriormente, em gravações da novela "Órfãos da Terra", da TV Globo, que abordou a migração síria.
"Agora as lonas estão aqui para que possamos criar um produto com esse material, algo que será feito super especialmente pelo nosso time também. E é um produto de descarte, que teve uma função de acolher essas pessoas e que agora vamos recuperar para dar renda a mulheres que buscaram o Rio de Janeiro para refazer suas vidas. Esse ciclo é super importante", avalia Emanuela.
Trabalhando em conjunto com a equipe do PARES Cáritas RJ, a empreendedora vê uma parceria frutífera e complementar. As duas partes estão sempre se comunicando, e Emanuela busca designar à organização as pessoas com necessidades que o MSG não pode resolver diretamente, como questões jurídicas, psicológicas e de saúde. Várias dessas demandas, porém, poderão ser minimizadas ou até satisfeitas caso a maior necessidade de todas, a geração de renda, seja atendida. E a capacitação do MARES com o Mulheres do Sul Global tem pressa para isso.
"O assunto de se profissionalizar é urgente. Essas mulheres, assim como os refugiados em geral, na maior parte das vezes não têm tempo para fazer um curso muito longo, são pessoas que precisam acessar renda porque precisam botar comida na mesa, porque precisam ter acesso a moradia digna, sair de uma situação de abrigo. É isso que queremos proporcionar", conclui Emanuela.
Texto e fotos: Suzana Devulsky
Além do treinamento profissional, o projeto também atenta para o aspecto socioemocional das participantes, cujas especificidades como pessoas em situação de refúgio são levadas em conta. "Para mim, empoderamento econômico não é só prepararmos essa mulher para acessar renda, mas é também dar conta de toda uma dimensão emocional do que é a jornada da mulher refugiada", explica Emanuela.
"Como é que ela se sente quando está aqui treinando? São várias questões que aparecem. A maioria delas ainda mora em abrigo, tem questões de saúde, especialmente para as venezuelanas, pois o sistema de saúde do país delas faliu. Algumas não frequentam um médico há mais de cinco anos, então têm essa carência imediata, precisam fazer um checkup de saúde, porque têm questões sérias para serem assistidas. Tem uma questão de alimento também, muitas estão super magras, ficaram muito tempo sem acesso a açúcar, por exemplo. São coisas muito mínimas, que de fora as pessoas não percebem, mas que também fazem parte desse processo", diz a fundadora do Mulheres do Sul Global.
Em vista disso, a assistente social Marlene Barros foi contratada especialmente para acompanhar as alunas do curso. Semanalmente, são organizadas rodas de conversa nas quais elas podem falar de seus problemas pessoais, receios, expectativas e outros temas colocados para auxiliá-las em suas novas vidas. Dentre as questões abordadas estão direitos e deveres, cultura do Brasil, saúde, prevenção e segurança.
"Trabalhamos muito também a questão da amizade, da união entre elas, para que procurem ajudar umas às outras", comenta Marlene. "Colocamos muito afeto, ficamos abertas para qualquer coisa que elas precisem, como uma espécie de família, acolhendo.”
Outro ponto destacado pela assistente social é a autoestima das mulheres. Nesse sentido, ela conta que procura sempre incentivá-las para que acreditem em seu potencial. "Eu vejo que é uma grande dificuldade do ser humano ver coisas boas em si mesmo. Então nós sempre tentamos falar palavras boas e elogiar uma às outras, para trabalhar a autoconfiança delas."
Profissionalismo, sustentabilidade e... pressa
O Mulheres do Sul Global nasceu em 2017, já em uma parceria com o PARES Cáritas RJ, a partir da complexidade que Emanuela viu na jornada da mulher refugiada. "Não é uma coisa trivial. Se já é difícil para qualquer imigrante, imagine para uma mulher, com toda a questão do machismo, filhos para criar, entre outras coisas."
Na época, porém, as mulheres em situação de refúgio que integravam o ateliê já sabiam costurar. Agora, ela comanda a primeira turma de um novo projeto, que busca dar um passo atrás para, não apenas absorver as mulheres para dentro do negócio social, mas formá-las como costureiras.
Um dos avanços mais importantes na trajetória do MSG para viabilizar esse projeto foi a conquista de um espaço próprio, um ateliê - antes as colaboradoras trabalhavam em suas próprias casas. Emanuela considera o projeto promissor e enxerga algumas delas já integrando profissionalmente o ateliê do Mulheres do Sul Global.
"Estamos oferecendo uma capacitação e tendo muito cuidado e rigidez com a postura profissional e com o cronograma. A ideia é que elas estejam prontas para ficar conosco ou serem contratadas, e existem também aquelas com viés mais empreendedor. Além disso, obviamente a contratação delas ou não depende muito da performance de cada uma. Estamos avaliando todos esses pontos", esclareceu a fundadora.
O impacto do projeto não é apenas social. Adepto do conceito de economia circular, o MSG busca gerar também impacto ambiental. Emanuela revela que todo o material usado é proveniente de resíduos doados por outras empresas, a maioria do ramo da moda. Recentemente, porém, uma doação específica levou a ideia de economia circular a outro patamar. Emanuela recebeu do ACNUR lonas que foram usadas como tendas em abrigos venezuelanos no estado de Roraima e, posteriormente, em gravações da novela "Órfãos da Terra", da TV Globo, que abordou a migração síria.
"Agora as lonas estão aqui para que possamos criar um produto com esse material, algo que será feito super especialmente pelo nosso time também. E é um produto de descarte, que teve uma função de acolher essas pessoas e que agora vamos recuperar para dar renda a mulheres que buscaram o Rio de Janeiro para refazer suas vidas. Esse ciclo é super importante", avalia Emanuela.
Trabalhando em conjunto com a equipe do PARES Cáritas RJ, a empreendedora vê uma parceria frutífera e complementar. As duas partes estão sempre se comunicando, e Emanuela busca designar à organização as pessoas com necessidades que o MSG não pode resolver diretamente, como questões jurídicas, psicológicas e de saúde. Várias dessas demandas, porém, poderão ser minimizadas ou até satisfeitas caso a maior necessidade de todas, a geração de renda, seja atendida. E a capacitação do MARES com o Mulheres do Sul Global tem pressa para isso.
"O assunto de se profissionalizar é urgente. Essas mulheres, assim como os refugiados em geral, na maior parte das vezes não têm tempo para fazer um curso muito longo, são pessoas que precisam acessar renda porque precisam botar comida na mesa, porque precisam ter acesso a moradia digna, sair de uma situação de abrigo. É isso que queremos proporcionar", conclui Emanuela.
Texto e fotos: Suzana Devulsky